Não basta ler, tem que entender: simplificando textos

Quando encontram algum problema que envolve uma língua, como um texto escrito que deveria ser fácil para muitas pessoas, mas é difícil, os linguistas questionam a situação e podem apresentar sugestões para as pessoas se comunicarem melhor.

Maria José B. Finatto, Gabriel L. Ponomarenko e Laura P. BerwangerMaria José Bocorny Finatto é doutora em Linguística. Ela estuda como as linguagens técnicas e científicas funcionam e como pessoas comuns conseguem entender informações complexas. Gabriel Luciano Ponomarenko e Laura Pinto Berwanger fazem o curso de Tradução da UFRGS e estudam como tornar textos escritos mais compreensíveis para pessoas de escolaridade limitada. Os três autores têm bolsa de pesquisa de órgãos públicos de financiamento do Brasil (FAPERGS e CNPq).

Entender a mensagem de alguns tipos de texto pode ser algo difícil para muitas pessoas. Dificuldades podem acontecer quando precisamos entender textos sobre leis e direitos, cuidados com a saúde ou sobre assuntos de utilidade pública que sejam mais técnicos, especialmente os que usam palavras distantes do nosso dia a dia. Infelizmente, pelo o que temos estudado, grande parte dos textos sobre assuntos de utilidade pública do Brasil tende a exigir conhecimentos avançados das pessoas que tenham pouco estudo e pouca experiência de leitura. Algumas vezes, parece que nem se leva em conta que essas pessoas são justamente as que mais vão precisar entender a informação, pois são a maioria da população. Isso é o que vemos, por exemplo, no texto do Ministério da Saúde abaixo, que trata sobre sarampo:


“O sarampo é uma doença infecciosa aguda, de natureza viral, grave, transmitida pela fala, tosse e espirro, e extremamente contagiosa, mas que pode ser prevenida pela vacina. Pode ser contraída por pessoas de qualquer idade. As complicações infecciosas contribuem para a gravidade da doença, particularmente em crianças desnutridas e menores de um ano de idade. Em algumas partes do mundo, a doença é uma das principais causas de morbimortalidade entre crianças menores de 5 anos de idade.
O
comportamento endêmico do sarampo varia, de um local para outro, e depende basicamente da relação entre o grau de imunidade e a suscetibilidade da população, além da circulação do vírus na área. “

Esse texto pode ser difícil de entender por vários motivos. Na nossa Universidade e também em outros lugares do mundo, há bastante tempo, pelos menos desde 1960, esses motivos têm sido cientificamente estudados. Um primeiro motivo de dificuldade seria a quantidade de palavras estranhas para a pessoa que tenha estudado até o Ensino Fundamental, mas que tenha pouco hábito de ler. Palavras pouco comuns usadas sem uma explicação, em geral, só complicam. Volte no texto acima e repare nas palavras que colocamos em negrito.

Pois bem, conforme temos estudado, pode-se pensar nesse texto sobre sarampo como se ele fosse um prédio público frequentado por diversas pessoas, inclusive por pessoas com necessidades especiais. Como se sabe, prédios públicos precisam oferecer recursos de acessibilidade, como rampas de acesso e elevadores para cadeirantes e piso especial para pessoas cegas. Um texto muito complicado, assim como um prédio sem esses recursos de acessibilidade, pode atrapalhar o entendimento do leitor.

Com tudo isso em mente, nos apresentamos aqui, para você, nosso leitor, como linguistas. Linguistas são um tipo de especialistas – entre tantos outros – que estudam esses textos e que se perguntam sobre os motivos desses textos serem mais ou menos complicados para diferentes pessoas. Linguistas são cientistas que descrevem e analisam o funcionamento das línguas faladas e escritas. Linguistas não julgam as coisas que estudam, apenas descrevem e tentam explicar o que acontece nas línguas para quem precisar.

Linguistas são um tipo de especialistas – entre tantos outros – que estudam esses textos e que se perguntam sobre os motivos desses textos serem mais ou menos complicados para diferentes pessoas.

Quando encontram algum problema que envolve uma língua, como um texto escrito que deveria ser fácil para muitas pessoas, mas é difícil, os linguistas questionam a situação e podem apresentar sugestões para as pessoas se comunicarem melhor. Mas as pessoas envolvidas no problema, tanto quem lê quanto quem escreve esses textos, precisam querer fazer algo e até entender um pouco sobre o que os linguistas fazem.

A nossa pesquisa, que é feita na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre – RS, se chama Acessibilidade Textual e Terminológica. Com ela, queremos poder ajudar quem precisa escrever textos como o do exemplo acima sobre sarampo a se aproximar do leitor médio brasileiro. Pensamos nesse leitor como um trabalhador ou trabalhadora que tenha o Ensino Fundamental completo e que não leia muito no seu dia a dia. Assim, como linguistas, pesquisamos como textos técnicos e científicos poderiam ser melhorados para facilitar o seu entendimento. Por isso, descrevemos e analisamos toda a estrutura de diversos textos escritos, e prestamos muita atenção no vocabulário e nos termos técnicos, o que chamamos de terminologias. Também prestamos atenção em como são as frases e em várias outras coisas da escrita.

Primeiro, identificamos, escolhemos e analisamos um monte de textos, com problemas e sem problemas, sobre diferentes assuntos de utilidade pública que possam ser importantes para as pessoas. Para nos ajudar a analisar os textos, usamos programas de computador e vários trabalhos de cientistas que já estudaram como se poderia simplificar um texto. Depois, então, sugerimos um jeito para que as pessoas e os órgãos públicos que escrevem esses textos possam fazer uma simplificação nos textos e nos termos técnicos. Desse modo, usamos a nossa ciência, que se chama Linguística, para ver qualidades do que é bem-feito, mas também para perceber problemas que se repetem e que poderiam atrapalhar o nosso leitor. Podemos ver isso, na prática, na nossa sugestão de melhoria para aquele texto sobre sarampo que você leu antes:


“O sarampo é uma doença muito grave causada por um vírus. Um vírus é um ser de um tamanho tão minúsculo, que é invisível para os nossos olhos e que age no corpo da pessoa como se fosse um veneno. O sarampo é uma doença que passa de modo muito fácil de uma pessoa para outra: quando falamos de perto, tossimos ou espirramos, espalhamos o vírus. Uma coisa boa é que existe vacina para prevenir o sarampo.
Pessoas de qualquer idade, crianças e adultos, podem pegar a doença se não se vacinarem. O sarampo atinge com mais força crianças desnutridas e as menores de um ano de idade. Em alguns lugares, o sarampo é a doença que mais mata crianças menores de 5 anos de idade. Jovens adultos também estão pegando sarampo e tendo sérios problemas por causa dessa doença.
A existência da doença em algum lugar depende do quanto as pessoas desse lugar já estão vacinadas. Isso porque as pessoas vacinadas não deixarão a doença se espalhar, ajudando tanto as crianças quanto os adultos a ficarem livres do sarampo.”

Não ficou bem mais fácil agora? Porém, para ter certeza que nossa sugestão de melhoria realmente vai funcionar, nós linguistas ainda fazemos muitos testes. Mostramos os textos simplificados para vários leitores para saber o que eles e elas entenderam e se gostaram do texto assim. Também consultamos médicos e profissionais da Saúde para saber o que acharam da sugestão de melhoria.

Nossa pesquisa só ficará pronta depois de estudarmos muitos textos e de ouvirmos muitas pessoas. Então, os resultados serão divulgados. Ao final, esperamos que órgãos públicos e pessoas responsáveis possam aproveitar o que descobrimos. Como já foi dito no começo deste texto, com essa pesquisa de Linguística, buscamos ajudar a comunicação entre as pessoas. Em resumo: queremos propor “rampas de acesso” feitas de palavras para facilitar a leitura das pessoas. Assim, poderemos colaborar para aumentar o direito de acesso à informação para quem tenha menos estudo e pouco experiência de leitura.

Para saber mais, acesse: http://www.ufrgs.br/textecc/acessibilidade/