Pausa é vírgula? Vírgula é pausa?

Pausa na fala não necessariamente implica vírgula na escrita

Luciani Tenani · Luciani Tenani é docente na UNESP, câmpus de São José do Rio Preto. É doutora em Linguística e pesquisa a gramática dos sons do Português, como as pessoas fazem relação entre fala e escrita.

“Ah! Não sei colocar vírgulas!” – essa afirmação ouço muito frequentemente, quando alguém descobre que sou professora de Português. Quando respondo que pesquiso usos de vírgulas e que há uma “lógica” para pontuar, amigos ou alunos logo querem saber essa lógica.

Pausa na fala não necessariamente implica vírgula na escrita”: esse é o primeiro “segredo” sobre colocação de vírgulas. Dito de outro modo, fazemos pausas (silenciosas ou não) para respirar, mas aonde fazemos pausa não é onde necessariamente devemos por vírgulas quando escrevemos. Vejamos o exemplo.

(1) A secretária Marcela Pereira Gonçalves Oliveira enviou o malote para o departamento errado.

A depender da velocidade com que você ler a sentença (1), poderá fazer uma pausa após “Oliveira”. Essa pausa, se realizada, não corresponde a uma vírgula. Por que houve a pausa? Por que essa pausa não deve ser representada por vírgula na escrita?

“Pausa na fala não necessariamente implica vírgula na escrita”

A resposta para a primeira pergunta é encontrada nas gramáticas que prescrevem o uso de vírgulas: “não se coloca vírgula entre o sujeito e o predicado da sentença”. Essa afirmação está sustentada na relação entre “o assunto” (sujeito) e “o que se afirma sobre o assunto” (predicado). Mas porque ocorre? A pausa pode ocorrer porque a extensão do sujeito é longa, fazendo-se necessária uma “pausa para respirar” justamente no limite entre duas importantes partes da sentença.

De uma perspectiva linguística, é preciso investigar se essas relações entre pausa e vírgula são mesmo dependentes da extensão da estrutura da sentença. Quando comparamos as leituras da sentença (1) com as da sentença (2), abaixo, encontramos que não há pausa “para respirar” após “secretária”. Em (2), a estrutura “sujeito” é curta em comparação a que ocorre em (1).

(2) A secretária enviou o malote para o departamento errado.

Portanto, “a pausa para respirar” pode ser motivada na organização da sentença. Nossa hipótese é que esse funcionamento segue uma estrutura prosódica, isto é, a gramática dos sons da fala. Provar que, ao falar, seguimos, inconscientemente, regras que estabelecem as características das sentenças é tema de investigação de linguistas interessados na gramática dos sons.

A pausa pode ocorrer porque a extensão do sujeito é longa, fazendo-se necessária uma “pausa para respirar” justamente no limite entre duas importantes partes da sentença.

Até aqui, observamos que pausa da fala não é vírgula na escrita. Porém, existem pausas que coincidem com vírgulas! Por exemplo, pode haver pausa após “passada” na sentença (3). Nesse caso, deve haver vírgulas, porque “na semana passada” é estrutura sintaticamente deslocada. Para identificar esse tipo de estrutura, é importante saber que as sentenças, em qualquer língua, têm uma relação entre as palavras nomeada de ordem sintática. Em português, a ordem direta é: sujeito (S), verbo (V), objeto (O) e complementos (C). Em (4), exemplifico a ordem sintática direta, indicando o rótulo de cada estrutura, sem detalhar cada uma delas. Ao comparar (4) com (3), constatamos que “na semana passada”, em (3), migrou do fim para o início da sentença. Essa mudança na ordenação das estruturas deve ser sinalizada por meio da vírgula.

(3) Na semana passada, a Luísa mostrou minhas fotos ao Bruno.

(4) [a Luísa]S [mostrou]V [minhas fotos]O [ao Bruno]O [na semana passada]C

Há, ainda, outro funcionamento da vírgula a esses relacionados quando vírgula na escrita não é necessariamente pausa na leitura do texto. Essa não coincidência entre vírgula e pausa é outro segredo da colocação de vírgulas. Comparemos o exemplo (3) com o (5).

(5) Ontem, a Luísa mostrou minhas fotos ao Bruno.

Embora haja vírgulas nas sentenças (3) e (5) pelos mesmos motivos sintáticos, a extensão da estrutura difere, o que leva a haver pausa em (3), quando a estrutura deslocada é longa, e a não haver pausa em (5), quando a estrutura deslocada é curta. Novamente, essa relação entre extensão de estrutura e pausa é tema de investigação, pois estudiosos da linguagem partem da premissa de que estruturas da fala, como a sua extensão, é fator que afeta o modo como lemos os enunciados.

ao falar, seguimos, inconscientemente, regras que estabelecem as características das sentenças é tema de investigação de linguistas interessados na gramática dos sons.

Somada à pausa, a variação melódica, ou entoação, com que produzimos uma sentença é uma chave importante para abrir “a caixa de segredos” onde se encontram relações complexas entre fala e escrita. Para comprovar ou refutar essa afirmação cientificamente, situações de comunicação são controladas de modo a ser possível gravar as pessoas falando e, posteriormente, analisar como elas fazem pausa e variação melódica ao produzir sentenças.

Por fim, tratamos de outra característica importante da vírgula: sua relação com os sentidos das sentenças. Se as vírgulas que ocorrem em (6), forem retiradas, como em (7), muda-se a resposta para “Quem é corrupto? Em (6), alguém (a pessoa quer for indicada ao se dizer “esse”) é o corrupto. Em (7), o corrupto é o juiz.

(6) Esse, juiz, é corrupto.

(7) Esse juiz é corrupto.

A essa diferença de sentido entre as sentenças (6-7) está associada uma diferença da relação sintática entre as palavras. Isto é: a função que “juiz” tem em cada sentença é diferente. Em (6), “juiz” é a quem se dirige a palavra. Em (7), “juiz” é sobre quem é feita uma afirmação. As vírgulas são sinais gráficos que indicam essa diferença na função da palavra “juiz” na sentença. Saber identificar essas diferenças (de sentido e de função das palavras) ao ler as sentenças é crucial para interpretá-las. E, ao escrever, é preciso saber quando usar as vírgulas para evitar alguns sentidos e garantir outros.

Aliás, essa função da vírgula é sintetizada no mote “Uma vírgula muda tudo”, veiculado por meio da campanha comemorativa dos 100 anos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em 2008, ainda acessível gratuitamente na internet. Vale observar que, no último enunciado dessa campanha, outra característica importante da vírgula é apresentada: “ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude nem uma vírgula da sua informação”.

A expressão “mudar uma vírgula” implica alterar o que foi dito/escrito. Mais do que haver um sentido para cada sentença, como exemplificado com o par (6-7), o uso de vírgulas também coloca em cena uma dimensão enunciativo-discursiva. Em outras palavras, há usos da vírgula que tem relação com “o que” e “como” uma pessoa escreve. Mas esse é tema para outra conversa.

Por ora, o leitor já sabe responder “depende da sentença e do que se quer dizer” às duas questões do título deste texto. Pausa pode ser representada por vírgula. Vírgula pode corresponder à pausa na leitura de um texto.