A aprendizagem de línguas nas trocas virtuais: é só se conectar e conversar?

As comunidades, (...) desenvolvem mecanismos próprios de comunicação para satisfazerem suas necessidades

Laura Rampazzo · Laura Rampazzo é mestra em Estudos Linguísticos e doutoranda na mesma área. Seus interesses de pesquisa são quanto à uniformização dos discursos e as relações estabelecidas entre os envolvidos na troca virtual para aprendizagem de línguas. Atualmente, é professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico da área de Letras no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, campus Barretos.

É inegável que o desenvolvimento das tecnologias digitais da informação e comunicação provocou alterações no modo como nos comunicamos. Recursos como WhatsApp, Facebook, Skype, Zoom, Google Meets, entre outros, permitiram-nos superar as barreiras da distância física e facilitam nossa vida pessoal, acadêmica e profissional. Se, por um lado, o contexto atual de pandemia e distanciamento social levou à superexposição e uso desses recursos para fins profissionais e acadêmicos, por outro, não é muita novidade o seu uso na sala de aula para fins de aprendizagem de línguas estrangeiras.

Em ambientes universitários internacionais, já há mais de duas décadas, professores e instituições promovem o contato virtual entre culturas, isto é, entre estudantes localizados em países distintos para promoverem a aprendizagem, por meio dos chamados projetos telecolaborativos ou, como ficaram conhecidos mais recentemente, de troca virtual. No Brasil, a Universidade Estadual Paulista (UNESP) foi uma das pioneiras a possibilitar a telecolaboração de seus aprendizes com alunos no exterior por meio do projeto idealizado pelo professor doutor João Telles, o Teletandem Brasil: Línguas Estrangeiras para todos, em desenvolvimento desde 2006. Nesse projeto, os aprendizes, que formam duplas e se ajudam na aprendizagem de suas línguas, têm certa autonomia na tomada de decisões quanto ao modo como aprendem, isto é, cabe ao par escolher o que e como aprender.

Se, por um lado, o contexto atual de pandemia e distanciamento social levou à superexposição e uso desses recursos para fins profissionais e acadêmicos, por outro, não é muita novidade o seu uso na sala de aula de línguas

À primeira vista, pode parecer que não há padronização alguma nos encontros entre estudantes mediados por tecnologia, já que são eles quem decidem como aprender, mas será que é só se conectar e conversar? Algumas pesquisas realizadas no contexto do teletandem mostram que não é bem assim. Baseadas em teorias de gênero textual das escolas da Nova Retórica e Sociorretórica, pesquisadoras tomaram como hipótese o fato de que a comunicação humana se faz por meio de gêneros, ou, em outras palavras, por meio de padrões de ação que se repetem e auxiliam que nós realizemos nossos objetivos. Assim, se nosso uso da linguagem tende a ser estruturado em outros contextos – defesas de trabalhos de conclusão de curso, por exemplo, costumam seguir um protocolo – espera-se que algo semelhante aconteça entre os diferentes pares de teletandem e no modo como eles decidem aprender.

Até o momento, pesquisadoras que investigam o teletandem sob essa perspectiva apontam, em primeiro lugar, para a existência de um grupo que compartilha de objetivos comuns. Esse grupo é reconhecido como a Comunidade Teletandem (CT) e dela participam todos os envolvidos: os aprendizes – brasileiros e estrangeiros –, os professores que idealizam e organizam as parcerias, além dos pesquisadores, que estudam esse contexto. As comunidades, para as teorias da Nova Retórica e Sociorretórica, desenvolvem mecanismos próprios de comunicação para satisfazerem suas necessidades, fazendo uso de formas convencionais; por isso, entende-se que as formas de comunicação na CT sejam semelhantes, convencionais e padronizadas.

À primeira vista, pode parecer que não há padronização alguma nos encontros entre estudantes mediados por tecnologia, já que são eles quem decidem como aprender, mas será que é só se conectar e conversar?

Uma das formas de comunicação na CT é o encontro virtual em si. As investigações sobre o primeiro encontro via Skype indicam que há certa uniformização da conversação entre os pares, que os aprendizes reconhecem os propósitos desse diálogo e que as diferentes duplas acabam por agir de maneiras muito semelhantes. A observação dos minutos iniciais desse encontro de 10 pares identificou momentos em que os parceiros se cumprimentam, trocam informações sobre si, sobretudo suas vidas acadêmicas, e negociam questões como uso adequado da língua. Sobre esses resultados, as pesquisadoras defendem que os encontros dos diferentes pares estejam passando por um processo de padronização, uma vez que os envolvidos no teletandem, percebendo que as situações se repetem, seguem certo padrão ao se comunicarem. Os estudos sugerem também que a comunicação nesse contexto telecolaborativo tende a se apoiar em outros textos fora desse universo, como um primeiro contato entre amigos.

As investigações sobre o primeiro encontro via Skype indicam que há certa uniformização da conversação entre os pares, que os aprendizes reconhecem os propósitos desse diálogo e que as diferentes duplas acabam por construí-la de maneiras muito semelhantes

As pesquisas no teletandem que investigam a uniformização da conversação a partir das teorias de gêneros da Nova Retórica e da Sociorretórica estão ainda no começo e há, portanto, muito a ser estudado e compreendido. Elas indicam, porém, que a comunicação mediada por tecnologias digitais na sala de aula de línguas não é desordenada, mas, como nossas comunicações em outros contextos, segue certos padrões. Além disso, colocam tais tecnologias como importantes aliadas na promoção de trocas linguísticas e culturais.