Os tipos de fake news sobre vacina

Uma análise sobre os tipos de fake news com relação a vacinas.

Cesar Augusto Gomes · Cesar Augusto Gomes é mestrando em Divulgação Científica e Cultural, no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp e professor da educação básica. Sua área de pesquisa trata de como a divulgação da ciência e a comunicação podem ajudar a melhorar a educação básica. Sua pesquisa estuda o impacto das fake news na escola.

A drástica queda na cobertura vacinal no Brasil, desde 2016, conforme mostram dados do Ministério da Saúde (Gráfico 1), vem causando preocupação e uma busca por compreender as razões desse fenômeno. Uma hipótese é de que a disseminação de fake news sobre vacinas pode estar contribuindo para criar insegurança nas pessoas e levando-as a deixar de vacinar os filhos e a si. Neste texto, buscamos conhecer que tipos de fake news estão circulando e discutir quais as medidas mais efetivas para combater o problema.

Em 2018, o aumento de 30% nos casos de sarampo em todo o mundo levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a apontar a hesitação vacinal – que significa a relutância ou recusa em vacinar ou em ter seus filhos vacinados contra doenças contagiosas, apesar da disponibilidade de vacinas – como uma das “Dez ameaças à saúde global em 2019”. A agência considera complexas as razões pelas quais as pessoas não vacinam, no entanto, seu grupo consultivo de vacinas – formado por conceituados profissionais do meio académico, comunidade médica, prática clínica, institutos de investigação e organismos governamentais – identificou três principais motivos:

Principais motivos para as pessoas não se vacinarem:

i. Complacência (baixa percepção dos riscos das doenças preveníveis por vacinas e da importância das vacinas);

ii. Inconveniência no acesso às vacinas (disponibilidade e acessibilidade das vacinas e dos serviços de saúde) e;

iii. Falta de confiança (nos profissionais de saúde, nas vacinas e em sua eficácia).

A desinformação trazida pelas fake news, em especial na saúde, pode aumentar essa falta de confiança descrita pela OMS e causar um verdadeiro caos sobre a demanda dos Sistemas de Saúde incentivando a busca por exames desnecessários (motivada por alarmismo) e/ou a adoção de comportamentos extremos pelas pessoas (ao deixar de realizar tratamentos necessários e de usar remédios essenciais para sua vida ou, em outro extremo, incentivar uso remédios sem eficácia comprovada). No limite, as fake news em saúde podem matar.

O termo fake news, por sua vez, mostra-se impreciso para dar conta da natureza complexa da desordem informacional, o que tem levado autores como Claire Wardle e Hossein Derakhshan (2017) a classificarem-no como inadequado, ambíguo e simplista para descrever o fenômeno da produção, difusão e consumo de uma gama variada de informações.

Embora concordemos com esse ponto de vista, optamos pelo uso do termo em função de ele identificar de maneira mais sucinta o problema enfrentado. Ainda assim, utilizamos, para análise, essa proposta de dividir as fake news em Sete Tipos de Desinformação:

(1) Manipulação do Conteúdo: quando a informação ou imagem genuína é manipulada para enganar. (2) Conteúdo Fabricado: conteúdo novo que é 100% falso, criado para ludibriar, prejudicar. (3) Falsa Conexão: quando manchetes, ilustrações ou legendas não confirmam o conteúdo. (4) Sátira ou Paródia: nenhuma intenção de prejudicar, mas tem potencial para enganar. (5) Conteúdo Impostor: quando fontes genuínas são imitadas. (6) Falso Contexto: quando o conteúdo genuíno é compartilhado com informação contextual falsa. (7) Conteúdo Enganoso: uso enganoso de informações para enquadrar uma questão ou um indivíduo. (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017, p.17)

A partir desses critérios, analisamos 07 (sete) fake news relacionadas às vacinas, que circularam entre janeiro e abril de 2018, verificadas e publicadas pelo site de checagem de fatos Boatos.org. É importante frisar que as checagens foram feitas pelos jornalistas do referido site, cabendo ao pesquisador, neste texto, a tarefa de categorizar as informações checadas por eles.

Após essa análise, observou-se o Conteúdo Enganoso (manipulação / distorção intencional de informações factuais) em 70% dos textos consulados, nos quais os autores partem de dados factuais sobre vacinas, no entanto, manipulam-nos para que se adaptem aos objetivos de desinformar e confundir a audiência. O Conteúdo Fabricado (conteúdo não factual, criado para ludibriar, prejudicar) aparece em 55% dos textos e, em dois casos, de maneira simultânea ao Conteúdo Enganoso. Isso significa que no mesmo texto, além de distorcer os dados factuais, eles criam conteúdos 100% não factuais.

Discussão

Embora a checagem de fatos tenha um papel bastante importante nesse cenário, constata-se que o desmentido, na maioria das vezes, não atinge a mesma audiência da desinformação disseminada (WALTER, et al., 2020). Então, é preciso refletir sobre alguns fatores.

O primeiro é que os temas em destaque na mídia tradicional (TVs, rádios e jornais) tendem a pautar os produtores de fake news sobre vacina. Essa constatação vem da observação de que no início de 2018 o país viveu um surto de Febre Amarela na Região Sudeste, período em que o assunto ganhou destaque. Dentre os sete textos checados entre janeiro e fevereiro daquele ano, curiosamente, o tema “vacina da Febre Amarela” aparece em cinco deles.

Partindo do pressuposto de que os produtores de desinformação ganham dinheiro por meio de anúncios publicitários com o tráfego em seus sites, pode-se deduzir que eles se aproveitam de assuntos em evidência para produzir suas peças desinformativas.

O segundo fator, também ligado à questão econômica, é o modelo de negócio que sustenta as plataformas de mídias sociais, com base na Economia da Atenção. Nesse sistema, os algoritmos são programados para prender a atenção do usuário, pois o tempo que permanece ali é oferecido para empresas anunciarem produtos diretamente a ele.

Mas, como fazer para que esse usuário permaneça engajado, ou seja, curtindo, comentando e compartilhando as informações? Esses algoritmos formam clusters (conjuntos de computadores interconectados que trabalham em conjunto, de modo que, em muitos aspectos, podem ser considerados como um único sistema) conectando-o a grupos de outros usuários com perfis semelhantes ao dele, recebendo conteúdos que reafirmam suas convicções e crenças.

Dessa forma, quem gosta de conteúdo antivacina não vai receber informações que contraponham a essa visão. Para que o usuário consiga discernir entre o que é factual, enganoso ou fabricado ele precisa ter acesso a outras versões daquele assunto, o que, no modelo atual é trabalhoso e nem sempre há disposição para isso.

Por último, do pronto de vista da linguística na academia, a professora Eleonora Albano (2020) descreve problemas que, em sua concepção, deram origem ao cenário atual: a fragmentação e a especialização do objeto linguístico, assim como, das equipes envolvidas em sua análise, além do obscurantismo trazido por determinadas correntes políticas. Como consequência, resultados de pesquisas com fins benignos foram (e estão sendo) utilizados como ferramentas na produção e disseminação de fraudes noticiosas de internet (sua denominação para fake news), mas não apenas.

Ante o exposto, quais as medidas mais efetivas para combater o problema?

No curto prazo, há medidas que dependem de força política, como a desmonetização de anúncios dos produtores de desinformação, um debate difícil, visto que o conceito de desinformação é controverso tanto no meio acadêmico quanto no político. Incitativas pontuais como o movimento Sleeping Giants – que procura persuadir empresas a removerem do Google AdSense sua publicidade que circula nos veículos que publicam desinformação – têm conseguido vitórias importantes, porém, insuficientes de um ponto de vista mais amplo.

Outra medida necessária, mas que depende de regulação, é a exigência para que as empresas de tecnologia, as Big Techs, tornem menos nebulosa a sua governança algorítmica, isto é, a maneira, pouco transparente, com que programam suas ferramentas de busca, de seleção de informações e de formação de clusters.

Em função dessa programação, é possível questionar sua suposta neutralidade na distribuição de conteúdo não factual. No médio prazo, uma medida bastante efetiva é educar o usuário, para enxergar com criticidade aquilo que lhe chega por diversos meios.

Para Albano (2020), “a Linguística tem a obrigação de denunciar publicamente os avanços do obscurantismo e combater os seus efeitos não só entre os cientistas, mas também na população em geral”. Para isso, ela acredita que se deve divulgar debates sobre linguagem, fomentar inovações nas ciências Exatas, Naturais e Tecnológicas, além de denunciar o recrutamento de cientistas pelas plataformas digitais que colaboram na fabricação de ferramentas destinadas a manipular o comportamento de indivíduos e grupos ou a opinião pública em geral.

O combate às fake news sobre vacina deve se dar em várias frentes. No momento, com a checagem de fatos, estamos apenas apagando o incêndio, no entanto, o ideal é não deixar que ele comece.

REFERÊNCIAS

ALBANO, Eleonora. A responsabilidade dos linguistas no combate à manipulação da opinião pública via Internet. Cadernos de Linguística, v. 1, n. 4, p. 01-17. 11 nov. 2020. Disponível em https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/305#footnote-0a82dcaa176b488a1ef16a112018a731 Acesso em 10 fev. 2021.

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WARDLE, Claire; DERAKHSHAN. Hossein. Information Disorder – Toward an interdisciplinary framework for research and policy making. Council of Europe. Estrasburgo, França. 27 out 2017. Disponível em https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c . Acesso em 04 dez. 2020.