O que há em um nome? Simbolismo sonoro e linguagem

Arbitrariedade e iconicidade não são excludentes na língua; atuam como atributos complementares.

Romeu e Julieta, famosa peça de William Shakespeare, conta a história trágica de Julieta Capuleto e Romeu Montéquio, jovens que se apaixonam apesar de suas famílias rivais. Enquanto reflete sobre o que significa estar apaixonada por um homem de nome Montéquio, Julieta diz a si mesma:

“O que há em um nome? O que chamamos rosa
Teria o mesmo aroma doce com outro nome”

Ao negar que haja uma relação entre a essência do seu amado e o nome que ele porta, Julieta toma partido em um dos debates mais antigos nos estudos da linguagem: a discussão sobre que relação haveria (ou não) entre som e sentido.

Muitos linguistas defendem que uma das características das línguas humanas é sua arbitrariedade: não há um motivo para usarmos um som em particular para falar de objetos e conceitos específicos.

Assim como Julieta, muitos linguistas defendem que uma das características das línguas humanas é sua arbitrariedade: não há um motivo para usarmos um som em particular para falar de objetos e conceitos específicos. De fato, se pensarmos em palavras como “calça” e “bolsa” e nos objetos que elas nomeiam, não encontramos uma razão para que esses objetos tenham exatamente esses nomes. Como consequência, outras línguas terão outros nomes, como “pants” e “purse”, e o que chamamos rosa teria o mesmo aroma doce se a chamássemos de “rose” ou “gül”.

Esses exemplos poderiam nos fazer supor a língua é completamente arbitrária; entretanto, alguns estudos contam uma história diferente.

SOM E SENTIDO

Em 1929, um psicólogo chamado Wolfgang Köhler fez uma descoberta interessante. Ele mostrava a pessoas alguns desenhos como as formas geométricas que vemos abaixo e perguntava: “Qual desses desenhos se chama Maluma e qual se chama Takete?”.

Figura 1 – Figuras do experimento Takete/Maluma

Fonte: Wikipedia – Bouba/Kiki effect

Köhler percebeu que quando as formas eram pontudas, as pessoas preferiam dar a elas nomes que tivessem sons consonantais como [p], [k] e [t], como Takete ou Kiki. Quando as formas eram arredondadas, a preferência recaía sobre nomes como Maluma ou Bouba, com consoantes como [m], [l] e [b]. Desde então, esse estudo já foi repetido em inúmeras línguas (incluindo o português), com populações de culturas diferentes e quase sempre com os mesmos resultados.

A língua não é completamente arbitrária, mas teria, em sua base, um pouco do que se chama iconicidade, o princípio de que há uma relação motivada entre som e sentido.

Esses achados sustentam a tese de que a língua não é completamente arbitrária, mas teria, em sua base, um pouco do que se chama iconicidade, o princípio de que há uma relação motivada entre som e sentido. Um tipo específico de iconicidade é o que os linguistas chamam de simbolismo sonoro: a associação recorrente entre determinados fonemas e categorias perceptuais como forma e tamanho.

Nos últimos anos, inúmeros estudos ampliaram o que sabemos sobre o tema. Através de experimentos, pesquisas identificaram diversos mapeamentos entre sons e categorias perceptuais. Descobriu-se que as vogais [a] e [o] tendem a ser associadas a objetos maiores e mais pesados, [u] tende a ser associado a objetos redondos e escuros, e [i] a objetos menores, mais leves, claros e rápidos.

Alguns pesquisadores também afirmam que esses simbolismos influenciam os nomes que criamos. O antropólogo Brent Berlin, por exemplo, argumenta que os nomes de pássaros dados por diferentes povos indígenas da América do Sul refletiriam uma espécie de simbolismo sonoro, uma vez que se fiariam pelas características físicas dessas aves. Seria por esse motivo que os nomes dados ao inhambu (uma ave mais redonda, figura (2b)) contém mais nasais, um som geralmente associado à ideia de algo gordo ou redondo, enquanto a saracura, que tem constituição física mais angular (figura (2a)), recebe com mais frequência nomes com sons consonantais como [k] e [t].

Figura 2 – Saracura de asa vermelha (a) e Inhambu-Açu (b)

Fonte: Imae and Kita, 2014; drawn by Josep Smith.

Todas essas descobertas levaram alguns linguistas a propor que arbitrariedade e iconicidade não são excludentes, mas atuariam como dois atributos complementares. A vantagem principal da arbitrariedade seria permitir uma capacidade expressiva ilimitada, visto que a associação arbitrária entre som e sentido não limitaria o sistema linguístico aos nossos sentidos. Quanto ao papel do simbolismo sonoro, uma de suas possíveis vantagens encontra-se no processo de aquisição da linguagem.

SIMBOLISMO SONORO E AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Imagine que você é um bebê habitando um mundo cheio de novos objetos e sensações e cheio de barulhos que as pessoas usam para falar sobre eles. Seria muito mais fácil aprender o nome dessas coisas se você viesse ao mundo com uma cola que listasse as relações entre os sons usados e os objetos do mundo. Alguns pesquisadores sugerem que o simbolismo sonoro é essa cola.

Usamos [o simbolismo sonoro] para mapear categorias que percebemos, como tamanho, forma e luminosidade, aos sons que as pessoas produzem

Segundo esses cientistas, usamos essa cola para mapear categorias que percebemos, como tamanho, forma e luminosidade, aos sons que as outras pessoas produzem. Esse mapeamento seria necessário para os bebês entenderem que no mundo existem categorias, e que essas categorias recebem nomes. Apenas em um segundo momento os bebês perceberiam que a relação entre nomes e categorias pode ser arbitrária.

Essa hipótese, cujo nome poderia ser traduzido como Hipótese da Projeção pelo Simbolismo Sonoro [1], ainda depende de muitos estudos para se estabelecer. Ainda assim, há indícios de sua validade, como os achados de que crianças tendem a produzir mais palavras icônicas que adultos, de que adultos são mais icônicos quando falam com crianças e de que o simbolismo sonoro ajuda crianças a aprender novos verbos, independente da sua língua materna.

Mesmo que pudéssemos dizer com certeza que o simbolismo sonoro tem um papel importante na aquisição da linguagem, há ainda muitas perguntas a serem respondidas. Por exemplo, por que as pessoas associam [t], e não outros sons, a objetos pontudos? Por que justamente as vogais [o] e [u] são associadas a objetos grandes ou pesados, mas não [e] e [i]? Há relação entre simbolismo sonoro e fenômenos como a sinestesia?

Se você quer saber mais sobre esse assunto, recomendamos a leitura de “Iconicity in the lab” e “The sound symbolism bootstrapping hypothesis”. Esses artigos foram a fonte deste texto e tratam com mais detalhes dos estudos que citamos aqui.

Notas

[1] No original, The sound symbolism bootstrapping hypothesis.

Referências

IMAI, Mutsumi; KITA, Sotaro. The sound symbolism bootstrapping hypothesis for language acquisition and language evolution. In: Philosophical Transactions of the Royal Society B, v. 369, p. 1-13, set. 2014.

LOCKWOOD, Gwilym; DINGEMANSE, Mark. Iconicity in the lab: a review of behavioral, developmental, and neuroimaging research into sound-symbolism. In: Frontiers in Psychology, v. 6:1246, 2015.