Gênero e Língua: entre a gramática e o social
O estudo da relação gênero e língua é um campo diversificado e em pleno desenvolvimento, que tem tanto apelo acadêmico quanto popular.
Segundo Greville G. Corbett, gênero é uma categoria infinitamente fascinante. Apenas ¼ das línguas do mundo possuem gênero gramatical ou algum tipo de classificação para essa categoria. Gênero pode ser referir ao complexo de fenômenos sociais, culturais e psicológicos ligados ao sexo, um uso comum nas ciências sociais e comportamentais. A palavra gênero também tem um sentido técnico bem estabelecido na discussão linguística. Como uma noção técnica na linguística, pode ser analisada, pelo menos, a partir de seu comportamento gramatical, lexical, referencial e sociocultural.
Gênero é uma categoria infinitamente fascinante.
O debate tradicional sobre gênero e língua usa o termo gramatical como uma propriedade inerente do nome que participa da concordância estabelecida com elementos que acompanham, complementam ou recuperam o nome na sentença.
O debate tradicional sobre gênero e língua usa o termo lexical geralmente para relacionar gênero com propriedades extralinguísticas, sendo, assim, um parâmetro importante na estrutura das terminologias de parentesco, termos de tratamento e boa parte dos nomes pessoais comuns. Já gênero referencial relaciona as expressões linguísticas com a realidade não linguística, ou seja, identifica um referente como feminino, masculino ou independente de gênerono mundo real.
Gênero sociocultural é uma categoria que se refere à dicotomia socialmente imposta de papéis masculino e feminino e respectivos traços característicos. Os pronomes pessoais serão especificados para gênero sociocultural se o comportamento das palavras associadas não puder ser explicado por gênero gramatical ou lexical. Uma ilustração do gênero sociocultural em inglês vem do fato de que muitos termos ocupacionais de alto status, como advogado, cirurgião ou cientista, sejam frequentemente pronominalizados no masculino em contextos em que o gênero referencial não é conhecido ou é irrelevante. Por outro lado, os títulos ocupacionais de baixo status, como secretária, enfermeira ou professor, são normalmente pronominalizados no feminino nos mesmos contextos acima. Contudo, mesmo para nomes humanos em geral, como pedestre, cliente ou paciente, a prática tradicional prescreve a escolha do pronome masculino em contextos neutros. Uma vez que a maioria dos pronomes pessoais apresenta-se tendenciosamente masculina, parece plausível sugerir que – independentemente de uma língua ter ou não gênero gramatical – o “princípio” masculino é norma subjacente.
Por seu turno, gênero como representação de um fenômeno sociocultural e psicológico complexo não é uma questão de divisão sexual de pessoas em mulheres/feminino e homens/masculino como tal, o que as pessoas entendem por gênero natural, mas do significado associado a essa divisão, às instituições e às ideologias, às identidades prescritas e reivindicadas e à variedade de práticas sociais que sustentam essas instituições, ideologias e identidades.
Essa perspectiva surge nos estudos linguísticos como consequência das reflexões geradas nas ciências sociais com o movimento feminista dos anos de 1960. No início dessa perspectiva, o campo de estudo sobre gênero e língua costumava restringir-se a descrever a forma como as mulheres usavam a língua como desviante ou identificar variedades linguísticas específicas para cada gênero.
Essas práticas acadêmicas podem ser vistas como uma reflexão de um momento em que o sexismo ainda era praticamente inquestionável.
Essas práticas acadêmicas podem ser vistas como uma reflexão de um momento em que o sexismo ainda era praticamente inquestionável e os pesquisadores costumavam ser quase exclusivamente masculinos. A partir dos anos 1970, a discussão linguística acerca de gênero e língua alcançou um nível mais sofisticado de tratamento acadêmico. Robin Lakoff, em seu livro Language and Woman’s Place, lançado em 1975, teve um importante efeito de conscientização, expondo o viés sistemático contra as mulheres tanto na forma como a língua é usada, como na forma em que as línguas são estruturadas.
O campo de estudos de gênero e língua foi ampliado para incluir discussões de desejo e/ou identidade sexual – um aspecto que pesquisas anteriores tinham tratado apenas de forma implícita.
Teorias mais recentes tentaram mitigar as reivindicações gerais sobre mulheres e homens feitas pelas teorias linguísticas mais tradicionais, como a sociolinguística variacionista quantitativa, de William Labov; considerando o gênero como uma construção linguística a ser estudada localmente e em práticas reais, como propõem Penelope Eckert e Sally McConnell-Ginet; tentando encontrar maneiras de ir além de um pensamento estritamente binário de construção de gênero linguístico, como pensam Victoria L. Bergvall e Janet M. Bing; ou fornecendo análises críticas de discursos normativos de gênero, como propõe Mary Bucholtz. Todas essas discussões, conjuntamente com o influente trabalho sobre a construção discursiva do binarismo normativo de gênero de Judith Butler, abriram o caminho para uma abordagem dos estudos de gênero e língua que pode ser denominada pós-estruturalista na medida em que não pratica mais um uso inquestionável das noções de mulher e homem como duas macro-categorias de base biológica autoexplicativas. Ao mesmo tempo, o campo de estudos de gênero e língua foi ampliado para incluir discussões de desejo e/ou identidade sexual – um aspecto que pesquisas anteriores tinham tratado apenas de forma implícita.
Portanto, o estudo da relação gênero e língua é um campo diversificado e em pleno desenvolvimento, que tem tanto apelo acadêmico quanto popular. A virada linguística nas ciências humanas e sociais e o impacto do desenvolvimento da linguística, crítica e formal, e da análise do discurso, contribuíram para uma reformulação das questões sobre gênero e língua.