Como o modo de interrogar suspeitos contribui para a resolução de crimes em interrogatórios policiais

O que importa não são necessariamente as informações solicitadas, mas como essas informações são solicitadas.

Paola Gabriela Konrad · Paola Gabriela Konrad é mestra e doutoranda em Linguística Aplicada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Ela investiga a ciência da fala em interações reais em contextos policiais e da área da saúde.

Você já deve ter se deparado com – e até mesmo assistido a – filmes ou seriados policiais. Dois recentes títulos de séries do gênero, Mindhunter e Criminal, mostram-nos interrogatórios policiais realizados nos Estados Unidos e em países da Europa, respectivamente. E, apesar desses interrogatórios diferirem consideravelmente dos interrogatórios policiais que temos no Brasil, um aspecto mostra-se comum: a maneira como os policiais investigadores interrogam suspeitos acusados por crimes é fundamental para que informações sobre os fatos venham à tona. O que importa, dessa forma, não são necessariamente as informações solicitadas, mas como essas informações são solicitadas.

Essa constatação tornou-se possível a partir de minha pesquisa de Mestrado em Linguística Aplicada. Mas, antes de falar sobre o meu estudo propriamente dito, essa tal de Linguística Aplicada merece ser explicada. De um modo geral, a Linguística Aplicada é a ciência que se propõe a estudar e a compreender como a linguagem acontece nos mais variados contextos reais de comunicação, e que busca soluções para problemas relacionados à linguagem nesses contextos. E um desses contextos de comunicação se trata daquele investigado em minha pesquisa: o interrogatório policial.

O que importa (…) não são necessariamente as informações solicitadas, mas como essas informações são solicitadas.

Em meu estudo, analisei, dentre outras coisas, como acontece a busca de informações acerca dos crimes sob investigação em interrogatórios de três Delegacias de Polícia no Sul do Brasil. E, antes de chegar a essa análise, precisei passar por várias etapas: eu visitei delegacias, tive contato com policiais investigadores e com suspeitos acusados por crimes de diferentes proporções, observei e gravei interrogatórios policiais (mediante autorização de Comitê de Ética e de todas as pessoas envolvidas nas interações), e, posteriormente, transcrevi o conteúdo dessas gravações. A análise dos interrogatórios gravados e transcritos se deu por meio da abordagem da fala-em-interação – também conhecida como Análise da Conversa –, que permite a investigação de interações em diferentes contextos sociais com o propósito de desvendar como as pessoas se organizam socialmente.

Não é novidade para ninguém que os interrogatórios policiais, seja no Brasil, seja em outros países, são permeados por perguntas e respostas. O que talvez seja desconhecido pela maioria das pessoas é o fato de que, no Brasil, os policiais têm livre arbítrio na formulação de suas perguntas aos suspeitos, desde que, ao interrogarem, não deixem de solicitar as informações discriminadas na Lei. E, pasmem ou não, esse livre-arbítrio é capaz de possibilitar novos desfechos às investigações policiais, contribuindo para a resolução dos crimes sob investigação, uma vez que o como interrogar importa. Você já tinha pensado nisso?!

[O] livre-arbítrio [na hora de fazer perguntas] é capaz de possibilitar novos desfechos às investigações policiais, contribuindo para a resolução dos crimes sob investigação, uma vez que o como interrogar importa.

Em minha pesquisa, pude perceber que os policiais elaboram perguntas de formato aberto e de formato fechado para solicitar informações aos acusados nos interrogatórios analisados. Mas, afinal, o que são perguntas nesses formatos? As perguntas abertas (como, por exemplo, O que você estava fazendo ontem à noite?) permitem que o falante responda de maneira bastante ampla, possibilitando, assim, um maior controle do respondente sobre as informações fornecidas. As perguntas fechadas (como Você já brigou com o Felipe?), por sua vez, tornam relevantes respostas mais restritas. Ao buscarmos a definição de perguntas abertas e perguntas fechadas em termos de senso comum, encontramos afirmações do tipo: as perguntas abertas, por não controlarem o que está por vir, ocasionam respostas mais elaboradas e com mais informações; por outro lado, as perguntas fechadas, por mobilizarem respostas mais curtas, não se mostram eficazes na busca por informações. Ainda com base no senso comum, frequentemente encontramos a recomendação de perguntas abertas em entrevistas, questionários, e até mesmo interrogatórios, uma vez que são “mais efetivas” na busca por informações.

Mas isso nem sempre é assim, sabia? O que se vê acontecer nos interrogatórios policiais analisados em minha pesquisa é justamente o contrário. As perguntas de formato aberto, por serem muito amplas, acabam por culminar em silêncio por parte dos interrogados, ou em respostas que não fornecem informações sobre o que é perguntado. As perguntas abertas, assim, demandam a necessidade da elaboração de outras perguntas mais específicas (de formato fechado) por parte dos policiais. As perguntas de formato fechado, além de ocasionarem respostas que atendem ao que é solicitado (como um sim ou um não), resultam em respostas que fornecem informações adicionais e detalhamento acerca dos fatos dos crimes (como, por exemplo, sim, aí eu encontrei um pedaço de madeira e fui pra cima dele) . Esses achados revelam que as perguntas fechadas, aquelas que as pessoas em geral consideram pouco ou nada eficientes na busca por informações, são as perguntas que mais se aproximam do propósito da polícia na apuração de informações sobre a autoria e o detalhamento dos crimes sob investigação.

Considerando que os policiais têm autonomia na formulação de suas perguntas, sabe-se que eles têm livre arbítrio na escolha (e, inclusive, no evitamento) de determinados formatos de perguntas. À vista disso, os resultados de minha pesquisa de Mestrado, aqui (muito) brevemente sintetizados, têm muito a contribuir para as instituições policiais em termos da prática de como perguntar em interrogatórios policiais. O que se viu acontecer em três Delegacias de Polícia, é possível que também aconteça em outras instituições policiais do país, instituições essas, que também podem se beneficiar desses achados.

Esses achados revelam que as perguntas fechadas, aquelas que as pessoas em geral consideram pouco ou nada eficientes na busca por informações, são as perguntas que mais se aproximam do propósito da polícia na apuração de informações sobre a autoria e o detalhamento dos crimes sob investigação.

A partir de agora, quando você estiver assistindo a filmes ou a séries que contenham interrogatórios policiais, preste atenção em como os interrogatórios são realizados. Fique ligado nos formatos de perguntas com os quais a polícia interroga suspeitos acusados por crimes. Afinal, como vimos, muita coisa está implicada na prática de perguntar. 

Para saber mais:

KONRAD, P. G. A Busca vs. o Resguardo de Informações Acerca dos Crimes em Interrogatórios Policiais: um olhar sob a perspectiva da fala-em-interação. 2018. 149 f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, 2018.