Português ou brasileiro – qual é o nome da nossa língua?

Uma reflexão sobre sua história, política e ciência.

Rogerio de Oliveira Junior · Rogério Oliveira é mestre em Linguística e professor de Língua Portuguesa para Fundamental II e Médio. Atualmente cursa doutorado e pesquisa como as línguas são estruturadas e como as suas gramáticas são organizadas.

O nome atribuído às línguas não é uma definição aleatória. Na verdade, as línguas precisam ser nomeadas para poder existir. A língua é nomeada, ou batizada, a partir do momento histórico em que se faz necessário afirmar sua posição de pertencimento, ou conferir identidade, aos seus falantes. Assim, à língua que os franceses falam dá-se o nome de francês. A língua dos portugueses chamamos português. Além disso, territórios etnicamente diversos podem apresentar línguas que se relacionam com as populações ali pertencentes. Desse modo, à língua falada no País de Gales dá-se o nome de galês e a língua mais falada no sudeste da China chamamos cantonês.

Parece simples, mas nem tanto. Há diferentes modelos de povoação linguística, que representam a complexidade dos modelos de povoação humana. Mas o que todas as línguas naturais conhecidas compartilham entre si é justamente o fato de servirem à comunicação de seus falantes e terem, por isso, um nome. No que se refere ao Brasil, a língua majoritariamente utilizada em seu vasto território é a que se costumou chamar português. Usar o português no Brasil é fruto de uma herança de colonização e dominação de Portugal, país cuja língua tem esse mesmo nome.

A língua no Brasil é diferente da língua de Portugal?

O português falado no Brasil e o utilizado em Portugal não compartilham as mesmas características. Diferenciam-se, pois, em relação ao vocabulário, à maneira de falar e de entoar as frases, à posição das palavras na estrutura da frase e assim por diante. Convém questionar, portanto, no que se refere à nomenclatura, se seria necessário modificar o nome pelo qual a língua falada no Brasil é chamada. Há quem continue se referindo a ela tão somente como “português”. Outros propõem o uso consciente de “português brasileiro”, assim, meio que com nome e sobrenome. Já alguns poucos assumiram uma postura mais diferente de chamar “brasileiro” a língua utilizada no Brasil. Comento a seguir as considerações muito bem-postas de alguns pesquisadores brasileiros sobre o tema.

Assunto de política ou de pesquisa científica?

“Até a independência, as referências à língua europeia no Brasil se faziam, sem titubeio, pelas expressões português ou língua portuguesa” (FARACO, 2016, p. 161). No entanto, após a independência, ou seja, no século XIX, “passou-se a viver um longo período de incertezas, titubeios e ambiguidades, sendo a língua ora designada de língua brasileira, ora de língua nacional […] ora de português e língua portuguesa” (FARACO, 2016, p. 162). A expressão língua brasileira chegou até mesmo a figurar em projetos de lei da recém-formada Câmara dos Deputados no Brasil.

Esse comportamento não era de se estranhar, pois, após o distanciamento que houve entre Brasil e Portugal, desenvolveu-se um cenário “lusófobo”, de medo ou aversão, ou antilusitano. Sendo assim, nesse momento, a motivação relacionada ao nome era político, não linguístico.

O termo neutro “língua nacional” conviveu por anos com “língua portuguesa”, sendo entendido como sinônimo. Em 1935, até houve projeto de lei para mudar o nome da língua oficial do país para “brasileiro”, numa tentativa modernista de abrasileirar a expressão literária escrita. O projeto não foi aprovado. Em 1946, quando da elaboração de uma nova Constituição, houve a previsão de uma comissão de professores que opinaria sobre a mudança do nome da língua, cuja decisão foi, em parte, a seguinte: “À vista do que fica exposto, a Comissão reconhece e proclama esta verdade: o idioma nacional do Brasil é a Língua Portuguesa” (SILVEIRA, 1972, p. 293, apud FARACO, 2016, p. 170). E assim se deu. Algumas divergências políticas permaneceram até que a pacificação veio pela Constituição de 1988, que expressou claramente a opção pelo nome “língua portuguesa”.

Mas a discussão não parou por aí. Mais recentemente, “parte dos pesquisadores universitários portugueses e brasileiros da área de linguística tem insistido em dar destaque maior às diferenças que às semelhanças entre a língua de Portugal e a do Brasil” (FARACO, 2016, p. 333). Passando a ser mais científica, essa discussão envolve, também, a questão da nomenclatura, visto que, se há de se admitir que são línguas diferentes, compartilharem o mesmo nome não faz sentido. E ante esforços mínimos de tentar barrar esse distanciamento linguístico, entendeu-se que não é possível estabelecer um “ecumenismo” para uma gramática de referência que atenda falantes dos dois países. É por isso alguns pesquisadores do Brasil têm desenvolvido gramáticas que colocam em seu nome a expressão “português brasileiro”, num ato de “descolonização linguística”, isto é, de independência em relação à língua (ORLANDI, 2009, p. 213).

Sendo assim, desde a independência do Brasil de Portugal, com o fervor nacionalista, se “reclamava que os brasileiros ficassem independentes também linguisticamente. Portanto, já falávamos o brasileiro” (CASTILHO, 2016, p. 185). E isso pode ser afirmado por ao menos três motivos: o primeiro é que o português do Brasil seria uma evolução biológica do português europeu. Uma vez chegando aqui, se desenvolveu à parte dele. O segundo é em relação às influências que o português brasileiro sofreu de línguas indígenas e, principalmente, africanas, o que não aconteceu com o português de Portugal. E o terceiro é que o português do Brasil é uma continuação natural do português europeu e, como toda língua muda com o tempo, não permaneceu como era quando chegou aqui, no século XV.

De fato, “a situação linguística do Brasil dá origem a debates periódicos sobre se o português e o brasileiro são línguas separadas. As diferenças são muitas, em especial na língua falada” (PERINI, 2010, p. 44). Ainda assim, é importante destacar que o português falado no Brasil, como em qualquer país de grandes proporções, é uma generalização, que reúne diferenças relacionadas com classe social e região, que podem ser chamadas de dialetais. Ao mesmo tempo, é importante reconhecer que existe uma “fala das populações urbanas relativamente escolarizadas”, que seria uma espécie de língua falada padrão (PERINI, 2010, p. 44).

Desse modo, admite-se que a língua nuclear, mais ou menos estável, falada no Brasil difere da de Portugal, não importa a que região do Brasil nos refiramos, e isso não se confunde com linguagem inculta ou informal, mas caracteristicamente diversa da língua comum em Portugal.

A partir do século XX, surgiu uma base científica rigorosa, tanto teórica como metodologicamente, para investigações sobre as diferenças linguísticas, em especial após a década de 1970. E a partir de então há “a tomada de consciência cada vez mais aguda de que o português brasileiro é uma língua diferente do português europeu, com o qual tem fortes laços de parentesco, mas do qual já se afastou tanto em suas variedades mais urbanas e de prestígio quanto em suas variedades “populares” e estigmatizadas. E, desse modo, é simplesmente imperioso reconhecer o português brasileiro como uma língua plena”. (BAGNO, 2012, p. 247)

Pensando na situação da nossa língua hoje, no século XXI, “a crescente importância do Brasil no cenário internacional mostra que chegou a hora e a vez do português brasileiro” (CASTILHO, 2016, p. 194). Por isso, há necessidade de se elaborar uma política linguística para o português do Brasil de relevância internacional. Ou seja, uma vez entendidas as questões linguísticas que marcam o português brasileiro, é hora de se agir politicamente para a sua promoção. Se não se entendem essas questões, tampouco a língua é adequadamente promovida.

De fato, vários campos da pesquisa linguística já reconhecem que não há como considerar o português de Portugal e do Brasil a mesma língua. É verdade que o que define as relações linguísticas internas e externas não é somente o nome, mas também passa por ele. É por isso que, com base na reflexão dos pesquisadores citados, sigo-os ao defender a expressão português brasileiro.

Chamar apenas “português”, na perspectiva histórica da língua, é um anacronismo, ou seja, não corresponde aos fatos históricos, visto que desconsidera as noções de desenvolvimento independente e contínuo que a língua portuguesa teve no Brasil, especialmente após o século XIX. Ao mesmo tempo, chamar apenas de “brasileiro” também evidencia um anacronismo, pois desconsidera toda a herança linguística que foi trazida para o Brasil, que é inegavelmente portuguesa. O nome “português brasileiro” representa, assim, ruptura e continuidade. É um nome apropriado não apenas nos contextos de pesquisa acadêmica, mas uma importante ferramenta para que os falantes se reconheçam diante de sua língua. Falamos português, mas o português do Brasil.

REFERÊNCIAS

BAGNO, M. A. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

CASTILHO, A. T. Nova gramática do português brasileiro. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2016.

FARACO, C. A. História sociopolítica da língua portuguesa. São Paulo: Parábola Editorial, 2016.

ORLANDI, E. P. et al. Processos de descolonização linguística: as representações da língua nacional. África-Brasil: caminhos da língua portuguesa. Campinas: Editora UNICAMP, 2009.

PERINI, M. A. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.