Tipologia linguística e ensino-aprendizagem de línguas  

Perceber características estruturais das línguas ajuda no aprendizado de línguas adicionais

Ricardo Soares · é formado em Letras. Tem experiência em ensino de língua portuguesa como segunda língua, língua materna e língua japonesa para brasileiros.

Imagine que você está numa fila de um caixa de algum supermercado quando escuta duas pessoas conversando em uma língua totalmente diferente da sua, em japonês, por exemplo. Acho que a primeira sensação que viria à tona seria de estranheza: “o que são esses ruídos?”, “como eles se entendem?”. Sabe aquela expressão “tá falando grego”? É por aí. Por outro lado, existem línguas que são mais familiares aos nossos ouvidos, que conseguimos compreender mais, como, por exemplo, o espanhol. Todas essas impressões surgem intuitivamente a partir de uma comparação com a nossa língua materna (L1) que, no caso, é a língua portuguesa. Dependendo das línguas em comparação, vamos perceber graus de semelhanças e diferenças, uns maiores e outros menores. Vou usar as classificações L1 para me referir à língua materna, e L2 para me referir à segunda língua.

A tipologia linguística é um campo de estudos da linguagem que busca comparar e descrever os sistemas das línguas a fim de entender suas diferenças e semelhanças. O termo “tipologia”, assim como outros termos da linguística, foi adotado do campo da biologia e significa “classificação”.  Duas línguas podem ser consideradas de um mesmo “tipo” quando compartilham características em comum, independente do grau de parentesco.

Do ponto de vista da sintaxe, por exemplo, se tomarmos como base o padrão sintático dos termos essenciais: Sujeito, Verbo e Objeto para classificação, teremos diferentes organizações a depender da língua: SOV (japonês, coreano, quéchua…); SVO (português, chinês, alemão…); VSO (irlandês, tagalog, berbere…) e assim por diante. O português, assim como o chinês, alemão, e muitas outras línguas, é do tipo SVO, isto é, posiciona primeiro o sujeito na frase, depois o objeto e por fim o verbo [o menino tomou café]. No entanto, há línguas que possuem uma ordem diferente desses constituintes, como o japonês, que segue o padrão SOV [o menino café tomou].

Na classificação morfológica, o Vietnamita, por exemplo, é uma língua que não possui flexão. As informações gramaticais, como o plural, são expressas por palavras invariáveis. “Eu” em Vietnamita é tôi. Para expressar a ideia de plural, é preciso acrescentar o morfema chúng; assim o pronome “nós” seria tôi chúng. No inglês e português, a formação de plural se dá pelo acréscimo do sufixo –s: boy, ‘rapaz’ e boys, ‘rapazes’.

Vale dizer também que os tipos linguísticos são agrupados a depender do parâmetro utilizado. Em outras palavras, qualquer nível gramatical (fonológico, morfológico, sintático, semântico) pode servir como ponto de referência para comparações tipológicas.

 Português e Japonês: uma breve comparação

O português é uma língua flexional, o que significa que as palavras se flexionam em tempo, pessoa/número; plural/singular; feminino/masculino. Na construção “os meninos”, por exemplo, posso decompor a frase em “o-s menin-o-s”. O -o- carrega a informação de gênero masculino, o plural é realizada pelo acréscimo do elemento -s. Tanto o artigo quanto o substantivo estão em coesão que, nesse caso, é chamado de concordância nominal. No entanto, existem línguas que não são flexionais. A língua vietnamita foi citada anteriormente, mas podemos analisar exemplos da língua japonesa, que é tipologicamente similar. Em japonês, como não há artigos, a marcação de gênero e de plural nos substantivos é inexistente. Hon pode ser ‘livro’ ou ‘livros’; Sensei pode ser ‘professor’ ou ‘professores’, ou ainda ‘professora’.  O plural pode ser inferido pelo contexto ou pela aglutinação (juntar afixos a uma raiz) do elemento tachi, assim: Kodomo tachi:  Kodomo = criança (raiz); tachi (afixo que contém a informação de plural). Os verbos não são conjugados de acordo com o sujeito e a forma do verbo será igual na primeira, segunda e terceira pessoa. Tomando como comparação a conjugação verbal do português contemporâneo falado, temos:

私は食べます

Watashi wa  tabemasu 

Eu      comer

あなたは食べます

Anata wa tabemasu 

Você  comer

かれは食べます

kare wa tabemasu  

Ele    come

Veja que a terminação do verbo em masu não se altera, independente do sujeito. Os tempos verbais básicos do japonês são o passado e não-passado. Não existe uma forma para indicar o futuro no japonês. Tal fator gera dificuldade para os aprendizes brasileiros de japonês no âmbito da sintaxe, uma vez que no português existem muitos tempos verbais.

Como posso aplicar?

No tocante ao ensino de línguas, esse contraste pode nos levar à compreensão de quais características serão mais difíceis ou fáceis no ensino-aprendizagem de uma dada língua por falantes de diferentes línguas maternas.

Algumas características da L2 (segunda língua) podem ser tão específicas que são difíceis (mas não impossíveis) de adquirir independentemente da língua materna. No entanto, em outros casos, uma característica pode ser mais fácil ou mais difícil de aprender dependendo da língua materna do falante.

Por exemplo, considerando a ordem básica das palavras em português e japonês, essas línguas têm padrões sintáticos diferentes. Se o falante de português L1 transferisse o mesmo padrão sintático para o japonês L2, resultaria numa ineficiência comunicativa porque a distância tipológica é grande, ou seja, ele não pode usar a ordem das palavras do português no japonês. Por outro lado, se esse falante que tem o português (ou espanhol, francês etc.) como L1 e aprende inglês como L2, devido à proximidade tipológica SVO, não teria o mesmo obstáculo. Ainda que ocorram transferências sintáticas do tipo the girl beautiful (em inglês seria the beautiful girl, o adjetivo vem antes do substantivo) a comunicação não seria prejudicada significativamente. Nesse contexto, uma sugestão prática para os aprendizes que têm a L1 do tipo SVO seria assegurar a ordem das palavras da L2 do tipo SOV ou qualquer outro tipo. Isso valeria para os outros níveis da língua também.

Os pressupostos da tipologia linguística desempenham um papel importante na investigação do funcionamento das línguas. Tais investigações nos permitem compreender melhor os efeitos das comparações entre línguas em diversos contextos. No caso de ensino e aprendizagem de línguas, tal conhecimento pode ajudar o professor a prever problemas ao se pensar em interversões pedagógicas para facilitar o aprendizado de estruturas da L2 inexistentes na L1 do aprendiz.

Referências

BOSSAGLIA, Giulia. Linguística Compara e Tipologia. São Paulo: Parábola Editorial, 2019.

DE SOUZA, Ricardo Augusto. Segunda Língua: Aquisição e conhecimento. São Paulo: Parábola Editorial, 2021.

Lôpo Ramos, A. A. (2021). Língua adicional: um conceito “guarda-chuva”. Revista Brasileira De Linguística Antropológica13(01), 233–267. https://doi.org/10.26512/rbla.v13i01.37207

MATSUBARA MORALES, Leiko. Cem anos de imigração japonesa no Brasil: o japonês como língua estrangeira. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

MUKAI , Yûki; SUZUKI, Tae. (orgs.). Gramática da Língua Japonesa para Falantes do Português. Campinas, SP: Pontes Editores, 2017.