A sociolinguística em uma educação que valorize as diferenças

Ensinar o padrão valorizando as variantes

André Luiz Souza-Silva · Doutorando em Linguística pela UFPB, com especializações em Língua, Literatura e Ensino. Também tem formação em Educação Étnico-racial. O interesse de pesquisa é em como a linguagem se conecta com questões de Diversidade, Identidade e Educação, sempre com foco na Sociolinguística.

A maneira como falamos influencia diretamente como somos vistos e tratados na sociedade. Em muitas situações, algumas formas de falar são malvistas e consideradas “erradas”, enquanto outras são aceitas como as certas e acabam sendo mais valorizadas, é o que já afirmou James Milroy num texto sobre ideologias linguísticas publicado em 2011. Entretanto, essa ideia de que existe um jeito certo e outro errado de falar não tem base científica, trata-se de uma questão social, relacionada a fatores econômicos, ideológicos, políticos e históricos. Nesse cenário, a sociolinguística mostra que a variação linguística é algo natural e que julgar alguém pela forma como se expressa não tem a ver com erro, mas com preconceito.

A língua não é neutra! Ela reflete e reforça relações de poder e, ao longo da história, foi usada para excluir certos grupos da sociedade. Durante muito tempo, só uma pequena parte da população teve acesso à educação formal e ao controle sobre a produção do que é considerado “o jeito certo de falar”, conforme asseguram o professor Juscelino Pernambuco e a professora Ana Cristina Carmelino num capítulo sobre intolerância linguística publicado em 2011. Por isso, criou-se a ideia de que só um tipo de português é correto, enquanto outras formas de falar são vistas como erradas ou inferiores.

Por isso, a escola – junto aos estudantes, como um espaço importante de aprendizado – tem o dever de questionar essas desigualdades e ajudar a mudar essa visão. Então, o objetivo é construir uma educação mais justa e inclusiva que valoriza todas as formas de expressão e contribui para uma sociedade em que a democracia da diversidade se estabeleça com segurança, algo que eu defendo como professor e discuto em textos.

Essa visão acaba excluindo e marginalizando principalmente grupos que já enfrentam desigualdades, como pessoas negras, pessoas indígenas, pessoas com deficiência, populações periféricas e a comunidade LGBTQIA+, como sugiro em minha dissertação de Mestrado publicada em 2022 e deixo mais evidente em um capítulo de livro que publiquei no ano seguinte. Quando a norma padrão é imposta como o único jeito certo de usar a língua, ela reforça essas desigualdades, pois desvaloriza a forma de falar da maioria da população. Assim, a linguagem se torna mais um instrumento de exclusão social, algo que Marcos Bagno explica numa obra publicada em 2015 e tantos outros linguistas – antes e depois dele – defendem.

Na escola, muitos estudantes aprendem a variante padrão ou acham que precisam mudar seu jeito de falar para ter sucesso, o que não faz sentido porque a linguagem não é algo fixo – ela muda o tempo todo e se adapta às situações, questão já comprovada por William Labov – precursor da Teoria da Variação que tanto influencia o pensamento social em torno dos Estudos Linguísticos e que teve um livro sobre padrões linguísticos traduzido para o português em 2008. Assim, o papel da escola não é apagar a forma como cada um fala, mas ajudar os estudantes a expandirem suas habilidades de comunicação, o que Stella Bortoni-Ricardo orienta de maneira prática em um de seus livros (2004). Isso significa ensinar a usar diferentes formas de linguagem sem desvalorizar seu jeito original de se expressar nem o dos outros.

Por isso, é essencial que nós docentes reconheçamos a diversidade linguística e ajudemos a desconstruir preconceitos que já estão enraizados na sociedade. Claro, isso pode ser um desafio, já que nós precisamos seguir a norma padrão, mas também devemos valorizar a variedade de formas de falar. Portanto, ainda que não seja fácil, precisamos encontrar o equilíbrio para uma educação mais inclusiva e respeitosa.

Um dos primeiros passos para isso é trazer para a sala de aula uma reflexão sobre a própria linguagem. Em vez de impor um único jeito “certo” de falar português, podemos mostrar como a língua muda dependendo do contexto, da região e do grupo social. Ao estudar diferentes tipos de textos e formas de falar, os estudantes percebem que não existe apenas um jeito válido de se comunicar, mas várias maneiras, cada uma adequada a diferentes situações. Para tal, a literatura também pode ajudar, uma vez que obras como as de Conceição Evaristo (ao encaminhar uma escrita baseada na “escrevivência”, publicado em 2020) mostram como a variação linguística pode ser uma forma de expressão artística e identidade na escrita. Isso ajuda os discentes a enxergar a riqueza e a importância da diversidade linguística no dia a dia.

Também é muito importante falar abertamente sobre o preconceito linguístico e suas consequências. Muitas vezes, a forma como alguém fala é usada como desculpa para justificar desigualdades e reforçar a exclusão de certos grupos. Mostrar essas relações de poder ajuda os estudantes a entenderem que seu jeito de falar não tem nada a ver com inteligência ou valor, mas com sua identidade e origem social. Ao discutir isso na escola, é possível ajudar a construir uma sociedade mais inclusiva, em que a diferença linguística seja valorizada em vez de vista como um problema.

Outro ponto essencial é garantir que cada estudante se sinta valorizado pela forma como fala, uma vez que muitas crianças chegam à escola com um jeito próprio de se expressar, e isso precisa ser reconhecido e respeitado. Em vez de apenas corrigir e impor um único jeito tido como “certo” de falar, nós docentes podemos os ajudar a ampliar suas formas de comunicação. Afinal, o objetivo é que eles aprendam a usar diferentes variedades linguísticas sem sentir que sua maneira original de falar é errada ou inferior. Como já disse Paulo Freire num livro publicado em 2003, a educação deve ser um ato de libertação, e não de opressão. Isso significa ensinar sem apagar a identidade linguística dos estudantes, buscando fortalecer seu conhecimento e suas possibilidades de expressão.

Uma educação que valoriza a diversidade linguística não significa deixar de ensinar a norma padrão, mas ajudar os estudantes a entenderem que a língua é algo em movimento e construída pela sociedade.

Saber usar a variedade formal é importante, principalmente em situações acadêmicas e profissionais, mas isso não pode ser imposto como a única forma válida de se expressar. Quando a escola reconhece que todas as formas de falar têm seu valor, ela contribui para desconstruir preconceitos e tornar a educação mais democrática. Dessa forma, todos os estudantes podem se sentir pertencentes e representados no ambiente escolar, ocasionando o empoderamento linguístico.

Por fim, a sociolinguística nos ensina que todas as formas de falar têm valor e que não existe um único jeito certo ou melhor de usar a língua. Assim, promover uma educação que valorize a diversidade linguística significa questionar as normas impostas por relações de poder, conforme nos oportuniza refletir o filósofo Michael Foucault no livro “A Ordem do Discurso” e garantir que todo mundo tenha o direito de se expressar sem ser julgado pelo jeito de falar, sendo a linguagem um instrumento de inclusão, não de exclusão. Para isso, é fundamental que nós (educadores), nossos estudantes e a sociedade entendam que a verdadeira riqueza da língua está na sua pluralidade. Portanto, respeitar essa diversidade é um passo importante para construir uma sociedade mais justa e igualitária.

Para saber mais:

BAGNO, Marcos. Dramática da Língua Portuguesa: tradição gramatical, mídia e exclusão social. São Paulo: Loyola, 2015.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em Língua Materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.

EVARISTO, Conceição. A escrevivência e seus subtextos. In: CONSTÂNCIA, L. D.; NUNES, I. R. (Org.). Escrevivência: a escrita de nós reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020, p. 26-46.

FOUCAULT, Michael. A Ordem do Discurso. Aula Inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2003.

LABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. Tradução de Marcos Bagno, Maria Marta P. Scherre e Caroline R. Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MILROY, James. Ideologias linguísticas e as consequências da padronização. Tradução de Marcos Bagno. In: LAGARES, Xóan Carlos; BAGNO, Marcos. (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011, p. 49-88.

PERNAMBUCO, Juscelino; CARMELINO, Ana. Cristina. A intolerância linguística na escola. In: BARROS, Diana Luz Pessoa de (Org.). Preconceito e intolerância: reflexões linguístico-discursivas. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2011, p.79-98.

SOUZA-SILVA, André Luiz. Por uma sociolinguística militante na escola: contribuições para uma prática linguística anti-hegemônica. In: Lau, H. D.; Souza-Silva, A. L.; Michalkiewicz, Z. A. (Org.). Linguagens em múltiplas faces: uma agenda de estudos teóricos e aplicados. São Paulo: Pimenta Cultural, 2023, p. 46-69.